Cinco décadas de amor.

Hoje o texto que vão ver mais abaixo não foi escrito por mim. Foi escrito por Nelson Godinho, um senhor de raras qualidades humanas, com valores esquecidos por muitos dos quais tenho vindo a falar em alguns dos meus posts. Acho que um Blog não deve ser inteiramente nosso, deve proporcionar aos outros um pouco do nosso mundo, de como o vivemos, o observamos e também dar a conhecer aos outros aqueles que fazem parte de nós. O Senhor Nelson Godinho é meu Tio emprestado para que não reste duvidas e é um orgulho muito grande ele e a sua família fazerem parte da minha vida. O texto que ele escreveu é sobre o amor, só e simplesmente isso mesmo, o amor de um homem pelos seus.
Espero que gostem tanto quanto eu do que aqui é escrito pois não são cindo dias, são cinco décadas de amor.

Por N.G.,

Para a Kleine, minha mulher e mãe dos meus dois filhos, Ricardo Jorge e Jorge Henrique,
este falecido em 11 de Outubro de 2012, dois dias depois de ter feito 39 anos.

E de súbito Kleine

Quase cinco décadas passaram.
Atravessámos jardins, pomares e regatos. Rasámos desertos e abismos e águas revoltas.
Tivemos dias de tersa claridade e outros de densa névoa.
Palavras floridas e silêncios com arestas.
Um com o outro em desejos e sonhos.
Um e o outro em solidão acompanhada.

Décadas passaram. Quase meio século.
Frutificámos. Fomos dois, depois três, depois quatro.
Vínhamos deixando sinais no percurso feito passo a passo.
O início da viagem já estava bem mais longe do que a chegada.
Entardecíamos.

De súbito.

De súbito de quatro ficámos três.
Um fruto prematuramente perdido.
Vamos completar a viagem sempre na sombra desta perda.

E agora, como nunca,
nesta sombra dorida em que imergimos, olho-te
e reparo na serenidade severa quase de estátua do teu rosto
e na quietude magoada do olhar.

E eu
acocorado neste canto escuro da vida
não sei o que te dizer…
Ficam-me tão escassas as palavras
e ocas
e os gestos tão rarefeitos…

Que se há-de dizer a uma Mãe que perde um filho?
Que se sente amputada contra natura
da parte mais importante do seu corpo.
Que se há-de dizer à mulher que deu um filho
à luz e não às trevas?

Nelson Godinho, Seixal 10 de Outubro de 2012